quarta-feira, 5 de março de 2014

U. Leiria: a morte da SAD que deu vida ao clube

Aquela imagem dos oito jogadores da U. Leiria a posar para a foto antes de se dar início ao jogo com o Feirense será difícil de tirar da cabeça de quem se interessa por futebol durante muitos anos. Dificilmente seria possível encontrar melhor expressão icónica de que a SAD do Lis tinha batido no fundo naquele mês de Abril de 2012. 
Por essa altura, já Mário Cruz, que fora também administrador ao lado de João Bartolomeu, mas sairia uns tempos antes, acautelava, pelo menos, o futuro do clube. Como presidente, não iria deixar que o futebol acabasse na cidade. Lançou as primeiras sementes do renascimento inscrevendo uma equipa no distrital, depois de uma assembleia em que os sócios lhe deram o aval. 
A SAD, depois de se ver despromovida à II Liga, também não conseguiu inscrever-se nesse escalão, e desceu mais um degrau, até ao extinto Campeonato Nacional da II Divisão. Ainda competiu, de forma sofrível, na última época, enquanto a formação do clube festejava a subida de divisão logo no primeiro ano de vida. 
Uns continuavam de costas voltadas para a comunidade leiriense, mantendo-se a jogar em casa emprestada (Santa Catarina da Serra), tal como acontecera na temporada anterior na Marinha Grande, enquanto os outros jogavam no melhor palco da região, o Estádio Dr. Magalhães Pessoa. O mesmo que acolhe esta quarta-feira o Portugal-Camarões. 
Reconquistado o coração dos adeptos, outra frente se abria no horizonte. Perante as dificuldades da SAD, atolada em dívidas, o tribunal decretou a sua extinção em Julho de 2013. Era tempo de enterrar a história, feita de vários pontos altos, como a final da Taça de Portugal de 2003, perdida para o FC Porto, com um golo de Derlei, que passara pela União, tal como Helton. Para trás ficaram também algumas participações em provas europeias e, claro, a passagem de Mourinho. 

Batalha pelos direitos desportivos valeu duas subidas 

Ficava em aberto uma vaga no Campeonato Nacional de Seniores (CNS) e Mário Cruz lutou por conseguir os direitos desportivos da SAD. «Foi determinante, no sentido em que o nosso objetivo sempre foi recolocar a U. Leiria onde estava, e isto permitiu-nos encurtar distâncias. De outra forma, estaríamos agora na Divisão de Honra, e também beneficiámos da extinção da III Divisão Nacional», conta o agora vice-presidente do clube do Lis. 
Em vez disso, os leirienses estão apenas a um pequeno passo do ingressar na II Liga, o primeiro escalão profissional, disputando a fase de subida palmo a palmo. Um absoluto contraste com os primeiros tempos, quando o clube, de um momento para o outro, voltou a ter futebol sénior… para não o deixar morrer. 
«Quando nos vimos com o menino nos braços, não tínhamos nada. Nem equipamentos, bolas, nada. Foi preciso começar do zero, renascer das cinzas. Não estávamos preparados, quer ao nível de estruturas, quer ao nível de matéria-prima», recorda o dirigente. 
«Mas com boa vontade e esforço de todos, lá fomos traçando o nosso caminho. O nosso objetivo era devolver o clube à cidade e aos sócios, e vimos, de facto, que havia uma grande recetividade e quem prometeu ajudar não faltou à promessa. As coisas têm corrido melhor que o previsto, foi como um milagre», enaltece. 

A alegria de volta nas coisas simples 

No escalão mais baixo do distrital, a I Divisão, a equipa liderada por Luís Bilro, antigo jogador e capitão da casa, conseguiu galvanizar os adeptos e rendibilizar o apoio ao máximo, numa onda que culminou no primeiro lugar do campeonato, sem derrotas. 
«Tínhamos por vezes mais pessoas a assistir do que quando a equipa estava na I Liga e íamos a Alvalade ou ao Porto. Passamos a utilizar o estádio municipal porque entendemos que era a nossa casa e uma forma de congregar mais gente à nossa volta», conta Mário Cruz. 
A aposta na chamada prata da casa tem sido determinante. Além dos jogadores, os técnicos são igualmente dos que sentem o verdadeiro amor à camisola. Depois de Bilro, seguiu-se Rui Nascimento, outro filho da terra, e antigo atleta do clube, agora a solo depois de uma carreira como adjunto de Manuel Cajuda. 
A câmara, com quem João Bartolomeu não se entendia, também foi dando uma ajuda «dentro do possível», sublinha o vice-presidente, porque os tempos são difíceis para todos. Com o salto de dois escalões, tudo ficou mais sério, mas quem dirige o clube tem o plano delineado há muito tempo. 
O objetivo, regressar ao futebol profissional, se for atingido, vai requerer outros desafios. Desde logo, a constituição de uma nova sociedade anónima desportiva ou então uma sociedade desportiva unipessoal por cotas. 
«Quando a questão se colocar, vamos dar cumprimento à lei, como é óbvio. Iremos ouvir os sócios e tomar a melhor decisão. Queremos algo que salvaguarde a matriz popular, não queremos repetir o passado recente», promete. 
Em paralelo com o sucesso dos seniores, também as camadas jovens têm dado um bom exemplo de vivacidade. «Temos algo inédito, que é ter iniciados, juvenis e juniores na fase de apuramento de campeão, em luta com as maiores equipas do país em cada escalão», enaltece, sublinhando as mais de 400 pessoas que utilizam a academia do clube. 

Os pecados da SAD, virtudes do clube 

A saída de cena de João Bartolomeu foi um verdadeiro teste à capacidade de resistência do futebol em Leiria. Seria possível voltar a erguer os pilares de outrora? «Havia, de facto, esse receio, mas, neste momento, penso que está provado que a cidade pode voltar a ter uma equipa na I Liga», arrisca Mário Cruz. 
O passado ficou marcado por vários erros, que agora urge não repetir. «Ele era a SAD. Era dono e senhor, punha e dispunha como queria, e foi cavando um fosso entre si e a sociedade. A SAD nada dizia às pessoas, e vice-versa», sustenta. 
Ao invés, a nova fornada de dirigentes defende que o clube deve ser dos sócios e de todos os leirienses em geral. «Queremos fazer as coisas de uma forma mais transparente e sustentável», reforça, ao mesmo tempo que fala de um momento de estabilidade e condições para desenvolver um projeto a partir de boas bases: 
«O clube está estável e tem uma estrutura sólida. Houve eleições recentemente e temos um presidente que é uma pessoa séria e empenhada, capaz de dar sequência ao que já foi feito. Estou plenamente convicto de que, com este elenco, e o apoio das forças vivas da região, teremos pernas para andar.» 
Ano e meio depois do afastamento do truculento João Bartolomeu, a vida segue tranquila em Leiria. O clube voltou a sonhar, a ter ambições, e pensa o futuro com ideias claras e estruturadas. O lema é «Um Novo Fôlego, a Paixão de Sempre». Eles acreditam. 

Francisco Frederico - Mais Futebol

2 comentários:

  1. Grande trabalho. Parabéns.

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  2. Pois o que se tem visto é que a ascenção meteórica que o clube está a ter pode revelar-se novamente "fatal" para novo tombo. Espero que me engane e que quem tem lutado para colocar o clube novamente no seu lugar não se deixe levar pela emoção! As palavras cuidadas nas respostas dadas a esta entrevista pode nem sempre significar o que se passa no terreno

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